Boa leitura!
Dani
Elvira Cristina Martins Tassoni.
Universidade Estadual de Campinas.
Introdução:
Este texto baseia-se na pesquisa de mestrado realizada pela autora1. A partir
de alguns dos resultados obtidos na referida pesquisa, intenciona-se demonstrar como os
fatores afetivos se apresentam na relação professor-aluno e a sua influência no processo de
aprendizagem.
Com uma maior divulgação das idéias de Vygotsky, vem se configurando
uma visão essencialmente social para o processo de aprendizagem. Numa perspectiva
histórico-cultural, o enfoque está nas relações sociais. É através da interação com outros
que a criança incorpora os instrumentos culturais.
Vygotsky (1994), ao destacar a importância das interações sociais, traz a
idéia da mediação e da internalização como aspectos fundamentais para a aprendizagem,
defendendo que a construção do conhecimento ocorre a partir de um intenso processo de
interação entre as pessoas. Portanto, é a partir de sua inserção na cultura que a criança,
através da interação social com as pessoas que a rodeiam, vai se desenvolvendo.
Apropriando-se das práticas culturalmente estabelecidas, ela vai evoluindo das formas
elementares de pensamento para formas mais abstratas, que a ajudarão a conhecer e
controlar a realidade. Nesse sentido, Vygotsky destaca a importância do outro não só no
processo de construção do conhecimento, mas também de constituição do próprio sujeito e
de suas formas de agir.
Segundo o autor, o processo de internalização envolve uma série de
transformações que colocam em relação o social e o individual. Afirma que “todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e,
depois no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior
da criança (intrapsicológica).” (p. 75).
Partindo desse pressuposto, o papel do outro no processo de aprendizagem
torna-se fundamental. Consequentemente, a mediação e a qualidade das interações sociais
ganham destaque.
Smolka e Góes (1995), ao se referirem à idéia de mediação, representam-na
como uma relação sujeito-sujeito-objeto. “Isto significa dizer que é através de outros que o
sujeito estabelece relações com objetos de conhecimento, ou seja, que a elaboração
cognitiva se funda na relação com o outro” (p. 9).
Pino (1997), ao discorrer sobre os processos cognitivos, defende que o
conhecer humano é uma atividade que pressupõe uma relação que “envolve três elementos,
não apenas dois: o sujeito que conhece, a coisa a conhecer e o elemento mediador que
torna possível o conhecimento” (p. 6). Afirma que
“embora a atividade de conhecer pressuponha a existência no sujeito de
determinadas propriedades que o habilitam a captar as características dos objetos,
há fortes razões para pensar que o ato de conhecer não é obra exclusiva nem do
sujeito, nem do objeto, nem mesmo da sua interação [direta], mas da ação do
elemento mediador, sem o qual não existe nem sujeito nem objeto de
conhecimento” (idem, p. 2).
De maneira semelhante, Klein (1996) defende que o objeto de conhecimento
não existe fora das relações humanas. “De fato, para chegar ao objeto, é necessário que o
sujeito entre em relação com outros sujeitos que estão, pela função social que lhe
atribuem, constituindo esse objeto enquanto tal” (p. 94). Nesse sentido, são as relações
humanas que formam a essência do objeto de conhecimento, pois este só existe a partir de
seu uso social. Portanto, é a partir de um intenso processo de interação com o meio social,
através da mediação feita pelo outro, que se dá a apropriação dos objetos culturais. É
através dessa mediação que o objeto de conhecimento ganha significado e sentido.
Na verdade, são as experiências vivenciadas com outras pessoas é que irão
marcar e conferir aos objetos um sentido afetivo, determinando, dessa forma, a qualidade
do objeto internalizado. Nesse sentido, pode-se supor que, no processo de internalização,
estão envolvidos não só os aspectos cognitivos, mas também os afetivos.
Assim, abre-se um espaço para investigações científicas abordando a
influência dos aspectos afetivos no processo de aprendizagem.
A relação que caracteriza o ensinar e o aprender transcorre a partir de
vínculos entre as pessoas e inicia-se no âmbito familiar. A base desta relação vincular é
afetiva, pois é através de uma forma de comunicação emocional que o bebê mobiliza o
adulto, garantindo assim os cuidados que necessita. Portanto, é o vínculo afetivo
estabelecido entre o adulto e a criança que sustenta a etapa inicial do processo de
aprendizagem. Seu status é fundamental nos primeiros meses de vida, determinando a
sobrevivência (Wallon, 1978). Da mesma forma, é a partir da relação com o outro, através
do vínculo afetivo que, nos anos iniciais, a criança vai tendo acesso ao mundo simbólico e,
assim, conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo. Nesse sentido, para a
criança, torna-se importante e fundamental o papel do vínculo afetivo, que inicialmente
apresenta-se na relação pai-mãe2-filho e, muitas vezes, irmão (s). No decorrer do
desenvolvimento, os vínculos afetivos vão ampliando-se e a figura do professor surge com
grande importância na relação de ensino e aprendizagem, na época escolar. “Para
aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e aprendente3) e um vínculo que se
estabelece entre ambos. (...) Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem
outorgamos confiança e direito de ensinar” (Fernández, 1991, p. 47 e 52).
Toda aprendizagem está impregnada de afetividade, já que ocorre a partir
das interações sociais, num processo vincular. Pensando, especificamente, na aprendizagem
escolar, a trama que se tece entre alunos, professores, conteúdo escolar, livros, escrita, etc.
não acontece puramente no campo cognitivo. Existe uma base afetiva permeando essas
relações.
As experiências vividas em sala de aula ocorrem, inicialmente, entre os
indivíduos envolvidos, no plano externo (interpessoal). Através da mediação, elas vão se
internalizando (intrapessoal), ganham autonomia e passam a fazer parte da história
individual. Essas experiências também são afetivas. Os indivíduos internalizam as
experiências afetivas com relação a um objeto específico.
A afetividade:
Existe uma grande divergência quanto à conceituação dos fenômenos
afetivos. Na literatura encontra-se, eventualmente, a utilização dos termos afeto, emoção e
sentimento, aparentemente como sinônimos. Entretanto, na maioria das vezes, o termo
emoção encontra-se relacionado ao componente biológico do comportamento humano,
Refere-se aqui aos pais não necessariamente biológicos, mas aos adultos responsáveis pelos cuidados e
educação da criança.
Termos mantidos do original em espanhol, significando, respectivamente, quem ensina e quem aprende.
referindo-se a uma agitação, uma reação de ordem física. Já a afetividade é utilizada com
uma significação mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de
expressão mais complexas e essencialmente humanas.
Engelmann (1978) faz uma profunda revisão terminológica quanto às
variações semânticas, ao longo do tempo, das palavras: emoções, sentimentos, estados de
ânimo, paixão, afeto e estados afetivos, em diversos idiomas (francês, inglês, alemão,
italiano e português). Esperava conseguir clarear e precisar as peculiaridades de significado
de cada termo que, às vezes, são usados como sinônimos. Tinha a intenção de corrigir o
caráter vago e a inadequação de uso, em muitos casos.
Concluiu que existe uma variação conceitual muito grande, dependendo do
autor e do idioma a ser considerado.
Apesar das dificuldades de conceituação que vêm acompanhando,
historicamente os fenômenos afetivos, Pino (mimeo) tem destacado com clareza que tais
fenômenos referem-se às experiências subjetivas, que revelam a forma como cada sujeito
“é afetado pelos acontecimentos da vida ou, melhor, pelo sentido que tais acontecimentos
têm para ele” (p. 128). Portanto,
“os fenômenos afetivos representam a maneira como os acontecimentos repercutem
na natureza sensível do ser humano, produzindo nele um elenco de reações
matizadas que definem seu modo de ser-no-mundo. Dentre esses acontecimentos, as
atitudes e as reações dos seus semelhantes a seu respeito são, sem sombra de
dúvida, os mais importantes, imprimindo às relações humanas um tom de
dramaticidade. Assim sendo, parece mais adequado entender o afetivo como uma
qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam (...). São as
relações sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto
da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido
afetivo” (idem, p. 130-131).
Embora os fenômenos afetivos sejam de natureza subjetiva, isso não os torna
independentes da ação do meio sociocultural, pois relacionam-se com a qualidade das
interações entre os sujeitos, enquanto experiências vivenciadas. Dessa maneira, pode-se
supor que tais experiências vão marcar e conferir aos objetos culturais um sentido afetivo.
Wallon, estudioso francês com formação em medicina e filosofia (na época
não havia curso autônomo de psicologia e a formação do psicólogo vinculava-se ao curso
de filosofia), dedicou grande parte de sua vida ao estudo das emoções e da afetividade.
Identificou as primeiras manifestações afetivas do ser humano, suas características e a
grande complexidade que sofrem no decorrer do desenvolvimento, assim como suas
múltiplas relações com outras atividades psíquicas. Afirma que a afetividade desempenha
um papel fundamental na constituição e funcionamento da inteligência, determinando os
interesses e necessidades individuais.
Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida
psíquica, funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da
criança com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao
nascer, não tem
“meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas
necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que
a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a
influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações
consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu
entourage” (Wallon, 1971, p. 262).
Baseando-se em fundamentos darwinistas, encontrou argumentos que
enfatizam a origem do homem como um ser emocional. Analisando aspectos como prole
reduzida em comparação com outros mamíferos e o prolongado período de dependência
entre o bebê e seus pais, destaca a importância da proximidade do outro para o
desenvolvimento humano. Nesse sentido, defende que a emoção é o primeiro e mais forte
vínculo entre os indivíduos.
Wallon (1978) entende que a primeira relação do ser humano ao nascer é
com o ambiente social, ou seja, com as pessoas ao seu redor. As manifestações iniciais do
bebê assumem um caráter de comunicação entre ele e o outro, sendo vistas como o meio de
sobrevivência típico da espécie humana. “Os únicos atos úteis que a criança pode fazer,
consistem no fato de, pelos seus gritos, pelas suas atitudes, pelas suas gesticulações,
chamar a mãe em seu auxílio.(...) Portanto, os primeiros gestos (...) não são gestos que lhe
permitirão apropriar-se dos objetos do mundo exterior ou evitá-los, são gestos dirigidos às
pessoas, de expressão” (p. 201).
Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade (1968).
Segundo o autor as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com
componentes orgânicos. Contrações musculares ou viscerais, por exemplo, são sentidas e
comunicadas através do choro, significando fome ou algum desconforto na posição em que
se encontra o bebê. Ao defender o caráter biológico das emoções, destaca que estas
originam-se na função tônica. Toda alteração emocional provoca flutuações de tônus
muscular, tanto de vísceras como da musculatura superficial e, dependendo da natureza da
emoção, provoca um tipo de alteração muscular. Wallon “identifica emoções de natureza
hipotônica, isto é, redutoras do tônus, tais como o susto e a depressão. (...) Outras emoções
são hipertônicas, geradoras de tônus, tais como a cólera e a ansiedade, capazes de tornar
pétrea a musculatura periférica” (Dantas, 1992, p. 87).
A afetividade, por sua vez, tem uma concepção mais ampla, envolvendo uma
gama maior de manifestações, englobando sentimentos (origem psicológica) e emoções
(origem biológica). A afetividade corresponde a um período mais tardio na evolução da
criança, quando surgem os elementos simbólicos. Segundo Wallon, é com o aparecimento
destes que ocorre a transformação das emoções em sentimentos. A possibilidade de
representação, que consequentemente implica na transferência para o plano mental, confere
aos sentimentos uma certa durabilidade e moderação.
Considerando que o processo de aprendizagem ocorre em decorrência de
interações sucessivas entre as pessoas, a partir de uma relação vincular, é, portanto, através
do outro que o indivíduo adquire novas formas de pensar e agir e, dessa forma apropria-se
(ou constrói) novos conhecimentos. Considerando, igualmente, que a qualidade dessas
relações sociais influem na relação do indivíduo com os objetos, lugares e situações,
apresenta-se, na seqüência, como se desenvolveu a pesquisa que teve por objetivo –
analisar as interações em sala de aula entre professores e alunos, buscando identificar
os aspectos afetivos presentes que influenciam o processo de aprendizagem,
especificamente da linguagem escrita.
Na verdade, os resultados obtidos na pesquisa podem ser ampliados
focalizando o processo de aprendizagem de uma maneira geral.
Baseando-se numa perspectiva teórica fundamentalmente social, a partir de
Vygotsky e Wallon, defende-se que a afetividade que se manifesta na relação professoraluno
constitui-se elemento inseparável do processo de construção do conhecimento. Além
disso, a qualidade da interação pedagógica vai conferir um sentido afetivo para o objeto de
conhecimento, a partir das experiências vividas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário